Alberto Hiar: visão realista

Ex-feirante, o diretor criativo da Cavalera fala sobre sua evolução no mundo da moda e dos desafios da produção em tempos de crise

“Trabalhar muito não mata ninguém.” A frase revela a base da trajetória profissional de Alberto Hiar, diretor criativo da Cavalera, grife que ele criou há 21 anos ao lado do então sócio Igor Cavalera. Filho de libaneses e ex-morador da favela de Heliópolis, zona sul de São Paulo, aos 13 anos Alberto já trabalhava na feira com o pai. Mais tarde, foi vendedor no Brás, bairro de comércio popular da cidade. Aos 24 lançou sua primeira marca, a Vision Streetwear, e nunca mais deixou a moda. Fora do SPFW desde o ano passado, ele falou a MANEQUIM nos bastidores do desfile da coleção Inverno 2016 da Cavalera, em um antigo galpão do Brás.

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Como foi a sua evolução na moda? 
Trabalhar no comércio popular serviu como base. Eu já sabia que queria ir além, criar e evoluir. Desde então, busco conhecimento. Tinha esse mesmo sentimento na feira, que era tão importante para mim quanto o que tenho hoje. Aos 17 anos comecei a estampar minhas camisetas e, aos 24, criei a Vision Streetwear. 

Criatividade ou gestão: o que é mais importante para uma marca? 
Os dois andam juntos. Há algo que chamo de intangível científico. O intangível é o seu sonho. O científico são os resultados que você precisa analisar, ajustar e usar para que seu sonho dê certo. A gestão é importante em qualquer área. A criatividade é importante para se distanciar das pessoas que só pensam na gestão. 
Como você aplica a economia criativa no dia a dia? 
Ter coragem de sair de um calendário de moda oficial e propor uma ideia nova, que é vender o que foi desfilado já no dia seguinte, é uma evolução para a moda. 
De onde vem a matéria-prima das peças da Cavalera? 
Compro jeans no Paquistão, costuro na Colômbia e bordo na Índia. Ainda assim, recebo a mercadoria antes do que se tivesse feito tudo no Brasil. E mais: com uma qualidade melhor, porque a tecnologia deles é mais evoluída. O parque têxtil brasileiro virou sucata. 
Como manter, na crise, uma produção baseada no mercado internacional? 
Com planejamento. Faz cinco anos que cresço dois dígitos anuais. A criatividade é o meu diferencial para cobrar mais, mas o preço é importante para manter-me competitivo. Qual a principal diferença entre uma camiseta branca da Cavalera e uma de R$ 1,99 da China? Além da qualidade, o logotipo e o valor agregado. O consumidor se identifica. 
Foi por causa da alta das moedas estrangeiras que você deixou de desfilar no SPFW em 2015? 
Sim. Fiz pesquisa de matéria-prima no exterior com o dólar valendo R$ 2. Quando voltei, a moeda já custava quase R$ 4. Como não conseguiria fazer a coleção com material nesse valor nem com matéria-prima nacional, decidi ficar de fora. 
O que você achou do esquema de compra imediata que o SPFW vai adotar a partir de 2017? 
Fiz primeiro. Saí na frente. Estar atento aos movimentos culturais é indispensável? Eles são essenciais para trazer inspiração. Na Cavalera temos três pilares: moda, música e arte. 
Os desfiles convencionais estão ultrapassados? 
Não, mas cada marca tem que mostrar as suas características na passarela. A Cavalera, por exemplo, é jovem e tem personalidade. Um dos desfiles mais marcantes, para mim, é o que fizemos às margens do Rio Tietê, em 2008. E o que aconteceu no Minhocão, em 2009, e mudou a cara daquele lugar. Foi o primeiro passo para ele receber os eventos culturais que recebe hoje. 

Quais são os seus conselhos para os profissionais de moda? 
Olhar sempre para o todo, e nunca somente para o próprio umbigo. E, claro, trabalhar muito não mata ninguém.