Jum Nakao é um artista de espírito desafiador. O estilista, que já ocupou a direção criativa de marcas como Zoomp e Viva Vida, mudou o rumo de sua marca, que vai além da moda comercial. Em 2004, Nakao fez sua última apresentação no São Paulo Fashion Week, intitulada A Costura do Invisível, na qual as modelos desfilaram – e rasgaram! – roupas feitas de papel vegetal. Foi um marco em sua carreira, que fez o mundo falar da moda brasileira. Porém, não provocou a reflexão que ele queria no mercado nacional. “Sinto orgulho de representar o Brasil, mas lamento a falta de educação e cultura por aqui. Sem conteúdo não temos sentido. Precisamos ir além, alterar profundamente as bases deste país. Assim, estimularemos estudos e pesquisas, a dignidade e a ética, para, enfim, colocar o Brasil no caminho do real progresso e desenvolvimento”, avalia. Nakao dá a sua contribuição: atualmente, é curador da exposição Bailes do Brasil, em cartaz em São Paulo até outubro, que apresenta o genuíno espírito da moda de cada época.
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Você mudou a sua relação com a moda desde quando ingressou no mercado. E a moda mudou?
O sistema da moda continua o mesmo. Nada mudou nos últimos séculos. Apenas a velocidade. Nascimento, vida e morte acelerados. Tudo nos mesmos moldes.
Que conselho você daria para um estilista novato?
Saber que muita coisa está errada e que eles fazem parte da cura. Deixar de lado a indiferença e a superficialidade. Desnudar-se, abrir o peito e enfrentar a questão “o que é o vestir?”, seu real significado.
E o que é o vestir?
Moda é uma das ferramentas mais poderosas de identificação de um tempo, ideologias, estéticas, pensamentos e mudanças. É o avatar mais elementar criado pelo homem. Espelho de devires, de sonhos e de realidade. Não se veste um corpo. Vestem-se intenções. A roupa é somente uma interface. Uma conexão entre o meio interior e o exterior.
Existe certo e errado na moda?
Moda é a sua opinião. Quem apenas segue moda e tendência não tem opinião. É preciso digerir as informações, não apenas engoli-las.
É possível estimular a criatividade para não ser refém de tendências, principalmente do que vem de fora?
Os valores criativos se tornaram extremamente materiais e numéricos. Falta foco para educar o público e fazê-lo absorver além do que é compreendido na superfície e perceber o conteúdo imaterial dos produtos. Valoriza-se aquilo que é feito e quanto custa e esquece-se de que o principal é o porquê é feito e com que intenção. O processo criativo atual se resume a inserir produtos novos em um sistema velho. Isso desumaniza a sociedade. O processo criativo se torna mecânico, estático.
Nesse contexto, como você encara a valorização de técnicas artesanais, como tricô e crochê?
Mesmo em uma sociedade tecnológica e “tecnologizada”, demonstrações de afeto e dedicação são bem-vindas. O artesanato, no sentido de feito manualmente, de forma dedicada e personalizada, cumpre o papel de trazer esse conforto. É uma plataforma de ação e criação que constrói pontes que nos conectam com o espaço das memórias, dos saberes, das histórias, capazes de despertar em nós a sensação de pertencimento.
Você acha que o artesanato têxtil é valorizado como deveria pela indústria da moda?
O artesanato têxtil sempre foi valorizado pela indústria de moda. O problema é a ganância, que impossibilita o comércio justo para todos.
Dá para mudar a realidade da moda atual?
Percebemos um anestesiamento geral, uma indiferença generalizada sobre processos e essência. É cada vez maior a necessidade de efeitos especiais e culto ao ego para sensibilizar o público. Não se vive mais a própria história. Os desejos do mundo moderno substituíram os sonhos individuais por modelos reproduzidos sem limite de cópias. É imprescindível resgatar o respeito pró- prio, a capacidade de sonhar e de sentir-se digno. Acredito na cura através da reconexão com a nossa essência.
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