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”Quando a gente é mãe, a gente se culpa até de reclamar das coisas. E com a quarentena, você se culpa mais ainda”

Prestes a dar à luz, Andrea Gonçalves Kobuta se viu cheia de incertezas com a pandemia do coronavírus. Sem chá de bebê, sem visitas à maternidade e sem ensaio fotográfico, Cora chegou ao mundo em maio de 2020. Um ano depois, quase tudo do que a pequena conhece o mundo é de seu apartamento. Ela não sabe o que é um mundo longe da pandemia

Andrea Gonçalves Kobuta deu à luz Cora em maio de 2020 e a bebê não sabe o que é mundo sem pandemia – Arquivo Pessoal

“A minha reta final da gravidez foi bem quando tudo começou a ficar feio [por causa da pandemia] no Brasil. A Cora estava prevista para nascer comecinho de junho. No fim, ela acabou nascendo um mês e meio antes. Foi tudo meio de surpresa, porque a gente não sabia como ia estar as coisas, ninguém sabia muito  de tratamento, de qual seria o cenário aqui no país, de como que ficaria as coisas.

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Eu sempre quis ter parto normal, por algumas intercorrências durante a gestação, existia possibilidade de eu ter que fazer uma cesárea. Estávamos sem saber se ia ter hospital, se ia ter UTI, se iriam usar as maternidades para usar de UTI. Foi aquele desespero. Ela nasceu de parto normal mesmo, nasceu um mês e meio antes, mas deu tudo certo.

A partir deste momento, já começaram algumas frustrações. Ela é minha primeira bebê – acho que, na verdade, nem só por ser primeira, penso que qualquer número de filho que seja você gostaria de ter chá de bebê. Eu não tive chá de bebê, por conta da pandemia. A maternidade não podia mais ter visita. Era um acompanhante por gestante.  E eles orientavam que, se possível, que fosse o mesmo acompanhante do início do parto até a saída da maternidade. E foi o que a gente fez, o pai da Cora ficou o tempo todo lá.

Não teve visita, não teve foto, não teve lembrancinha de maternidade, não teve nada disso, mas tudo bem. Chegando em casa,  meus pais conseguiram vir de Londrina, local que eles moram. Ninguém pode visitar a gente na maternidade, nem os avós, nada. Não podiam nem entrar na maternidade, então ficaram todos do lado de fora na calçada esperando notícia.

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Meus pais estão aqui ficaram aqui com a gente uma semana e voltaram. Ficou eu e o pai da Cora com o bebezinho esse tempo todo. Não tivemos muita rede de apoio, mas desde o início, na verdade, consigo ver que talvez isso tenha sido uma coisa favorável.

A gente ouve muito dos conselhos e dos pitacos das pessoas na maternidade e isso a gente quase não teve, porque ficou só nós dois e ela. Conseguimos criar e cuidar dela da forma que  julgamos melhor.

A Cora nasceu na pandemia e está até hoje aqui. Nos primeiros meses, isso foi favorável para gente, principalmente pro Lui, pois ele teria só os cinco dias de licença paternidade, que é o que tem disponível para os pais. Apesar de estar trabalhando em casa, ele tem mais contato com ela do que teria, se tivesse saindo de casa.

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Ela ter nascido durante esse período fez com que pudéssemos ter muito mais contato e ela não ter influências externas muito cedo. Eu sou dentista, então acabei conseguindo ficar mais tempo com ela do que era o meu planejamento. Eu não sou contratada, até por conta disso, não poderia ficar tanto tempo afastada do consultório. Então, na minha cabeça ela com um mês já ia estar voltando a trabalhar ou até menos, mas não foi o que não aconteceu, porque eu não voltei até hoje,

A renda diminuiu bastante, mas a gente vai dando um jeito. O que importa é esse contato maior que eu acabei meio que sendo obrigada, foi muito bom e está sendo muito bom.

Nos primeiros meses, a Cora não ter conseguido sair, nem ter contato com outras pessoas, os bebês no começo é meio que normal isso, mas depois de uma certa idade, seria bom que ela tivesse contato com outras crianças. E ela não teve. Ela só conhece dentro de casa, no máximo, o térreo do condomínio.

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Agora estamos começando a ter um pouco mais de coragem de sair com ela. Apenas um parquinho, um parque e andar ao ar livre. A gente vê a alegria dela de ver outras crianças, de querer ir atrás e querer encostar e querer ver as outras crianças.

Matriculei na escolinha, mas ela ainda não foi presencial. Vamos ver como é que vai ser agora esse próximo passo. Acredito que será bom. Ela sair, eu poder voltar a trabalhar com mais frequência.

A romantização da maternidade, sinceramente, não achei que aumentou. Na verdade, para mim, a impressão que eu tenho é que diminuiu um pouco. Por que eu falo isso? A licença maternidade tradicional, esses quatro meses que a mulher tem, se misturou com a pandemia e tirou um pouco da mulher esse direito. Como mãe, a gente acaba não podendo falar que a gente é forte. Na verdade, está todo mundo assim, com a pandemia.

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Quando a gente é mãe, a gente se culpa até de reclamar das coisas. Então, se culpa de ter algo para reclamar. E com a quarentena, você se culpa mais ainda, porque está todo mundo na mesma. E dai, você não pode reclamar mesmo.

A gente, como mãe, tem que mostrar a realidade mesmo, não é tudo lindo. Talvez as pessoas tenham parado para pensar um pouco mães sofrem sem poder sair de casa com o bebê, sem poder reclamar, porque, afinal, ‘você está com o amor da sua vida em casa e sem trabalhar, do que você reclamando, né?’. Com a pandemia, todo mundo acabou vendo um pouco dessa realidade, né? Então, eu acho que que talvez tenha sido bom. Por conta disso”.